Enquanto o Brasil devolve direitos aos passageiros, a Europa prepara-se para os tirar
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Num momento em que a UE pondera reduzir indemnizações por atrasos, o Brasil amplia direitos e proíbe taxas abusivas.
Lisboa, 30 de outubro de 2025 – A ironia não podia ser maior: enquanto o Brasil decide que os passageiros voltam a despachar malas gratuitamente, a União Europeia – suposta campeã mundial dos direitos do consumidor – discute se deve enfraquecer as mesmas regras que há 20 anos a tornaram referência global em proteção dos viajantes.
Na terça-feira, a Câmara dos Deputados brasileira aprovou uma lei que obriga companhias aéreas a permitir o despacho gratuito de bagagem de até 23 kg, e ainda proíbe o cancelamento do voo de regresso caso o passageiro falte ao de ida.
Tudo o que os consumidores europeus têm pedido há anos – transparência, flexibilidade e menos taxas escondidas – o Brasil acaba de aprovar por esmagadora maioria parlamentar.
“As companhias aéreas prometeram passagens mais baratas quando começaram a cobrar pelas malas. Mentiram”, declarou o deputado Arlindo Chinaglia, durante o debate. “Ganharam mil milhões e o consumidor ficou com o prejuízo.”
Bruxelas a favor das companhias, contra os cidadãos?
Enquanto isso, em Bruxelas, o Conselho da União Europeia está a empurrar uma proposta que muitos chamam de “presente envenenado às transportadoras”.
O plano reduziria as compensações de passageiros por atrasos e cancelamentos e aumentaria de três para até seis horas o tempo mínimo para ter direito a reembolso.
Em resumo: se o seu voo entre Lisboa e Paris atrasar três horas – algo já suficientemente frustrante – a UE pode em breve dizer que isso “não é suficiente” para compensação. Hoje em dia, ainda há direito a compensação em casos deste tipo, os montantes dependendo da distância do voo e variando entre €250 e €600.
“É o maior retrocesso nos direitos dos passageiros desde 2004”, avisa Tom van Bokhoven, CEO da Flight-Delayed.com. “Esta proposta beneficia as companhias aéreas e castiga os passageiros que já pagam caro por serviços de péssima qualidade.”
O Parlamento Europeu, por outro lado, quer manter a regra das três horas e até indexar as compensações à inflação, já que a legislação não foi adaptada desde que se implementou em 2004, mas o Conselho – composto pelos governos nacionais – tem resistido, pressionado pelos gigantes da aviação.
Brasil avança, Europa recua
É impossível ignorar o contraste.
O Brasil, frequentemente criticado pela sua burocracia e volatilidade económica, decide legislar em favor do cidadão comum. A Europa, que se orgulha de ser o bastião dos direitos civis, cede terreno a lobbies empresariais.
Mais de 80 mil europeus já assinaram uma petição contra o retrocesso dos direitos dos passageiros na europa, mas o silêncio de muitas capitais europeias – incluindo Lisboa – é ensurdecedor.
“Taxas invisíveis” e o preço da resignação
Os passageiros europeus já se habituaram às low-cost que cobram por tudo: escolher lugar, imprimir cartão de embarque, levar mochila. Agora, correm o risco de receber menos compensação quando o serviço falha.
E, ironicamente, a proposta europeia ainda mantém espaço para taxas ocultas – algo que o Brasil, desta vez, eliminou do seu novo código aeronáutico.
Para os consumidores portugueses, a questão é direta: porque é que um passageiro que viaja de São Paulo para Lisboa em breve poderá despachar a mala e escolher assento sem custo, enquanto um que viaja de Lisboa para Bruxelas não?
Uma Europa que protege quem?
Entre promessas de competitividade e “redução de encargos” para as companhias aéreas, a UE arrisca minar a confiança dos seus cidadãos.
O debate sobre o futuro do Regulamento 261 tornou-se um símbolo maior: uma Europa que se diz social, mas legisla como se fosse uma empresa aérea.
As negociações entre o Parlamento e o Conselho decorrem até fevereiro de 2026.
Mas, para milhões de viajantes europeus, a questão já está colocada:
Queremos uma Europa que defenda passageiros ou que proteja lucros?
Fontes: Agência Câmara Notícias (Brasil), Flight-Delayed.com, Parlamento Europeu, Conselho da União Europeia

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